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quarta-feira, 15 de abril de 2009

Da anistia à verdade
André Luiz Mattos

Ao pronunciar oficialmente a abertura do 31º Congresso da União Nacional dos Estudantes, na cidade de Salvador, em 1979, José Serra, ex-presidente da entidade em 1964, alertou para uma cadeira vazia. Ao centro da mesa de abertura, uma placa indicava o nome de Honestino Guimarães, último presidente, que de forma clandestina, a UNE havia conseguido eleger, no ano de 1971, por meio de micro congressos. No ano em que a Lei da anistia permitiu o retorno dos "despatriados" e "blindou" os algozes da escuridão iniciada em 1964, os estudantes assumiam a perda de um desaparecido, nas oficialidades semi-clandestinas de reconstrução da primeira entidade nacional brasileira. Ao olhar, porém, os campos do Araguaia, as passeatas e greves de 1968, a desarticulação dos grupos, organizações e movimentos de resistência a Ditadura e os outros quinze anos que se completavam naquele 1979, a história, narrada pela poesia, nos revela "ruas de mortos e sumidos", que deixaram seus amigos e familiares para buscar a verdade. Em nossa época, ao completar vinte e oito da anistia, o Brasil dá passos a frente, mesmo com atrasos em relação a alguns de nossos vizinhos da América do Sul, lançando mão de um documento oficial do Estado, pela Secretária Especial dos Direitos Humanos do Governo Federal, que assume as torturas, mortes, ocultação de cadáveres e estupros praticados pelo Estado em nosso recente passado.Não nos foge do conhecimento a radicalidade desse período, mostrado inclusive por meio das páginas dominicais do Diário da Região, que narram acertadamente alguns acontecimentos da época, com ênfase para os setores caipiras da repressão e dos reprimidos. Importante nos ater, que a história não nos oferece caminhos sutis, e nos reserva conflitos, que em determinados momentos são mais intensos e em outros menos. Em 1979, um Brasil sujo de sangue anistiou a todos e garantiu a abertura segura proposta pelos militares, agora, a mesma história nos alerta de que as cicatrizes do período, por vezes, ainda deixam escorrer alguma vontade de verdade.O lançamento do livro "Direito á memória e a Verdade", como um documento histórico, que relata e discute 339 crimes de morte durante a Ditadura Militar, apresenta essa vontade de verdade. Entretanto, não podemos tratá-lo como uma revanche de vencidos sobre vencedores em um outro momento histórico, perspectiva pela qual muito setor vem encarando o tema, mas, por compreender que é necessário buscar as verdades e as interpretações do período iniciado em 1964. A sociedade tem por direito legitimo conhecer a verdade sobre o passado do que chamamos de nação, e as famílias dessa nação, de terem acesso aos esconderijos não descobertos das ossadas de seus familiares que combateram no passado. Para isso, também, os militares tem de assumir suas posições atuais, de pertencerem a uma outra e nova época, de não compartilharem com a institucionalização do derramamento de sangue cometido no passado. Talvez, a verificação da verdade possa ser a distensão do conflito entre a sociedade querendo a verdade, os familiares querendo suas ossadas e os militares querendo continuar a escondê-las, e, com isso, darmos prosseguimento, munidos de nossa história, a moldagem de nossa identidade nacional.
ANDRÉ LUIZ RODRIGUES DE ROSSI MATTOS
Coordenador do Projeto Memória do Movimento Estudantil de Rio Preto
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http://www.diarioweb.com.br/artigos/body_artigos.asp?idCategoria=35&idNoticia=98321

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